Nesta terça-feira (16), o bairro que até hoje é visto como o grande símbolo do comércio de Santos faz aniversário: trata-se do Centro Histórico. Instituida pela lei 1.891, de 2000, a data traz à tona as lembranças de uma região que já foi conhecida por ser o principal polo econômico da Cidade, mas que com o crescimento do Município — ainda que seguisse como referência santista na área de negócios — viu o holofote do comércio apontar para o Gonzaga, Boqueirão ou Aparecida.
Ao mesmo tempo, a ocasião permite que se pare para observar a revitalização do bairro, que a cada ano recebe novos estabelecimentos e companhias e proporciona a contratação de novos empregados e futuros consumidores de serviços e produtos. Só com a vinda da Petrobras, por exemplo, são esperados mais de 6 mil novos funcionários nos próximos anos. E apesar do caminhar rumo à modernidade, a grande peculiaridade é que o Centro não perde o charme da história que o circunda.
Charme esse que vai além das famosas construções centenárias e passa pela manutenção de comércios antigos e praticamente únicos em toda a Cidade. “São lojas que não se encontram em qualquer lugar. Resistiram ao tempo, contam com clientes que passam de pai para filho o costume de frequentá-las e mostram o quão diversificado é o Centro”, destaca o presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas santista, Paulo Levi Latrova (foto).
O Boqnews visitou quatro exemplos de estabelecimentos dessa natureza, que mesmo há muitos anos na estrada e tendo como carros-chefes utensílios ou serviços que poucos apostam ainda fazer sucesso, seguem firmes e marcantes no bairro mais tradicional de Santos. Conheça-os no quadro abaixo e reflita: onde mais lojas assim poderiam ser encontradas na Cidade?
Chapelaria O Malão
Há mais de 40 anos, a Chapelaria O Malão, na Rua Amador Bueno, mostra que é possível ter o chapéu, se não como a única mercadoria (como outrora), ao menos como carro-chefe do estabelecimento. “Quando a loja surgiu, havia cerca de oito chapelarias. Mas só ficamos nós”, conta a funcionária Luzia dos Santos Fernandes, há 15 anos n´O Malão, observada por Custódio Antunes Ribeiro, o tímido proprietário e fundador do estabelecimento.
Nas prateleiras, embora hoje dividam espaço com malas e mochilas — “É difícil uma loja sobreviver apenas com um produto. Acho que tenha sido um diferencial para o Malão estar aí até hoje”, pontua Luzia —, os chapéus predominam. Encontram-se lá desde os tradicionais, como o Panamá (que, segundo seu Custódio, tem como um dos compradores mais assíduos o ex-vereador Carabina) e a boina, aos modelos com abas menores, mais modernos e procurados pelos jovens baladeiros.
“Mas o público maior é o pessoal de mais idade”, conta Luzia. E de fato, durante a visita da Reportagem à loja, a maior parte dos clientes era mesmo da velha guarda. “Compro chapéus aqui antes mesmo de você nascer!”, brincou um deles com o repórter.
Pagolinha – Loja das Canetas
“Vocês ainda sobrevivem vendendo canetas?”. Segundo a sócia-proprietária da Loja das Canetas, Márcia Bela Alvarez Egas, essa foi a pergunta que seu filho, que já trabalhou com ela, ouviu em uma entrevista de emprego. Uma frase que mostra o quão inusitado é o comércio que funciona na Rua Riachuelo há mais de 40 anos.
Muitos, aliás, ainda conhecem o local por seu nome original: Pagolinha, apelido do antigo proprietário e treinador de boxe, Angelo Gutierrez. “Ele (Angelo) queria parar de trabalhar, mas tinha receio de vender a loja, com medo de acabar a tradição. Dizia que só negociaria o estabelecimento com meu marido (Acássio), que era seu fornecedor de charutos mas que acabou se apaixonando por esse universo das canetas”, recorda Márcia (foto).
Embora não trabalhe mais unicamente com canetas, estas ainda são o carro-chefe. Nas estantes, exemplares de algumas das marcas mais tradicionais do segmento, como Sheaffer, Parker e Waterman. Mas a principal demanda não é nem a caneta propriamente dita. “A procura por troca de carga é o dia todo. Metade do lixo é de cargas velhas (risos). E as papelarias não têm essas cargas de canetas mais tradicionais e caras, então acaba sobrando uma demanda grande”, explica a proprietária.
Mário´s Tabacaria
Se as lojas citadas na Reportagem são praticamente únicas na Cidade, o proprietário da Mário´s Tabacaria, Helton Alvarez Mendes , é enfático: o estabelecimento é o único de toda a região. “Você vai a outras cidades e pode encontrar lojas de conveniência com um ou outro produto, mas sem a variedade que pode caracterizar uma tabacaria”, destaca.
A loja da Avenida Senador Feijó foi fundada em 1980 pelo pai de Helton (foto), Mário. Há seis anos, o filho assumiu os negócios do pai, já falecido. E desmitificando a imagem que muitos têm de estabelecimentos assim, o que menos se vê são cigarros. “Uma tabacaria atende diversos nichos além do cigarro, com diferentes cachimbos, cigarrilhas ou aromas de fumo”, descreve.
A massiva propaganda antifumo deu problemas ao segmento. E até por isso, Helton considera que a persistência no comércio e o atendimento fazem a tabacaria permancer na ativa. “Buscamos acompanhar todas as mudanças, inclusive com as dificuldades da Lei Antifumo e os aumentos constantes dos impostos do tabaco. Costumo dizer que nunca vi ninguém fumar um pacote de cigarro e sair dirigindo e bater o carro ou na mulher. Por isso, considero que a persistência e o retorno dos clientes são as receitas para estarmos até hoje por aqui”, considera.
Ao Doutor das Tesouras
A placa na entrada do estabelecimento fala em mais de 80 anos de tradição, mas já está ultrapassada. A loja Ao Doutor das Tesouras, na verdade, supera um século de vida — mas com um movimento intenso de clientes das mais diversas idades e classes sociais, especialmente no período da tarde, talvez pouco esperado em uma loja que lida, principalmente, com afiação de tesouras, facas e alicates, dentre outros objetos cortantes.
Uma peculiaridade da casa é que esta ainda mantém o costume do pai passar a profissão ao filho, do mais velho ensinar ao mais novo. “Aprender a afiar é difícil. Há muito marreta por aí afiando e estragando ferramentas. Sempre se está aprendendo e é possível progredir”, destaca o mais experiente dos “doutores”, Andres Couselo (foto), de 77 anos — 48 deles vividos na loja.
A manutenção do serviço se dá, reconhece Andres, pela necessidade. Mas o prazer pelo que é feito é um combustível primordial para a sobrevivência centenária. “Não trabalhamos para ficarmos ricos. E há toda uma tradição no ramo, pois muitos anos nisso. Fazemos porque gostamos. Aqui tem engenheiro e advogado trabalhando. Vieram trabalhar porque também é um negócio deles, que veio da família”, diz.