A evolução da sociedade ainda é uma realidade distante, a despeito de estarmos se aproximando da segunda década do século 21.
E pior: a própria legislação garante preconceitos arraigados, que devem servir de reflexão em tempos de comemorações ao Dia Internacional da Mulher (8).
Por exemplo, o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo, de outubro de 1968, garante, em seu artigo 162, o salário-esposa.
Conforme a legislação, o “salário-esposa será concedido ao funcionário, servidor ou inativo que não perceba (receba) importância superior a 2 vezes o valor do menor vencimento pago pelo Estado e desde que a esposa (grifo nosso) não exerça atividade remunerada”.
Ou seja, o homem que receber até dois dos menores salários pagos pelo Poder Público tem direito ao benefício.
No entanto, a lei não beneficia as mulheres com um eventual ‘salário-marido’.
É exclusiva aos homens (ao funcionário, servidor ou inativo – grifo nosso)
Ou seja, apenas os homens têm direito ao benefício, cujo valor é variável em cada cidade.
O mesmo valeria para casais homoafetivos.
Ou seja, pela lei, apenas casais de sexos diferentes – e neste caso, somente o homem – têm direito ao benefício, desde que a esposa não trabalhe e atende a exigência legal.

Em Santos, 28 servidores ainda recebem o salário-esposa, cujos gastos anuais chegam a R$ 3,4 mil somados, tanto no Legislativo como no Iprev – Instituto de Previdência. Foto: Divulgação
Polêmico
O assunto ganhou polêmica e notoriedade quando a Câmara de São Paulo votou pelo aumento do penduricalho no ano passado para funcionários do Tribunal de Contas, na ordem 2,84%.
No entanto, o benefício também é pago a um grupo de servidores da Câmara paulistana e a 12 mil servidores da Prefeitura.
Em números, o Poder Público (Executivo e Legislativo) paulistano gastou R$ 650 mil em 2017 com este privilégio.
Em São Carlos, no interior paulista, o Ministério Público obrigou a Prefeitura local a interromper o pagamento do benefício no final de dezembro de 2017.
Cerca de 700 funcionários da prefeitura recebiam o benefício.
E assim, os servidores homens embolsavam R$ 800 mil anuais pagos pelos cofres municipais.

Os valores pagos aos 28 servidores de Santos em razão do salário-esposa dariam para garantir 8 cestas básicas durante um mês, pelo menos, a famílias carentes, segundo levantamento do Labores da Unisantos. Foto: Divulgação
Santos
A despeito do benefício ter sido extinto quando da implantação do Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS), em 1995, durante a gestão do então prefeito David Capistrano, 22 servidores da ativa da Câmara e outros 6 inativos do Iprev Santos – Instituto de Previdência ainda recebem o penduricalho.
Somados, os valores gastos anualmente pelo Poder Público chegam a R$ 3.402,48.
Ou seja, R$ 1.834,32 pagos pelo Executivo e mais R$ 1.568,16 pelo Legislativo santista.
Tudo em valores atuais.
O montante é aparentemente irrisório.
Mas seria suficiente para matar a fome de 179 pessoas em uma das unidades do Restaurante Bom Prato (R$ 1,00) durante os 19 dias úteis do mês de março, por exemplo.
Ou daria para comprar cestas básicas, compostas por arroz, carne, feijão, óleo e outros ingredientes, para 8 famílias durante um mês.
Os dados se baseiam no mais recente estudo (referente a fevereiro/19) divulgado pelo Laboratório Econômico Social da Universidade Católica de Santos – Labores.
Segundo a Prefeitura, cada servidor recebe no seu contracheque o valor mensal de R$ 25,47, totalizando R$ 152,86/mês.
São beneficiados seis funcionários inativos que não optaram pelo PCCS.
Ninguém da ativa na Prefeitura recebe o salário-esposa, garante a Administração.
Já a Câmara informa que 22 servidores da ativa ainda recebem o benefício, no valor unitário de R$ 5,94, totalizando uma despesa mensal de R$ 130,68 aos cofres públicos.