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05 DE DEZEMBRO DE 2014

O caga-regras

Por: Da Redação

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Eles são uma espécie presente em todas as cadeias alimentares. Não mudam de cor como os camaleões, mas sabem evitar a presença de predadores. Pelo contrário, os transformam em hospedeiros. A simbiose que faz o caga-regras se tornar a imagem e semelhança do superior hierárquico no trabalho, daquele parente com a conta bancária mais inchada.

O caga-regras pode ser confundido com o puxa-saco, mas apenas pertence à mesma família biológica. O puxa-saco finge lutar por dividendos curtos, benefícios que não implicam em grandes esforços. Qualquer resto de almoço serve como nutriente para se manter pendurado abaixo do umbigo alheio.

O caga-regras quer o prato principal. Deseja a ponta da mesa. Ambiciona pagar a conta, desde que determine o cardápio de seus próprios borra-botas. O negócio do caga-regras é controlar a evolução da espécie.

Augusto era um deles, se gabava de ser impecável. Amava a perfeição, idolatrava a regularidade, desprezava os erros alheios, já que os próprios equívocos eram impossíveis de acontecer. Em sua empresa, a organização deixaria corado o mais exigente dos analistas corporativos.

Os empregados deveriam ser a imagem e semelhança do chefe. Comportamento e aparência andavam de mãos dadas, traduzidas no uniforme irretocável, no sorriso amarelado no rosto, no cabelo curto – para os homens -, ou preso – para as mulheres.

Augusto não suava. Camisa e calças alinhadas, pontualidade de invejar ingleses. A mesa dava sinais de que seu dono pertencia ao clube dos obsessivos. Lápis e canetas separados. Suporte para papéis de entrada. Suporte para papéis de saída. Cadernetas alinhadas, todas identificadas com adesivos. Ocorrências. Ideias. Eventos. Todas da mesma cor, da mesma marca, compradas na mesma papelaria.

Augusto sempre sorria, até quando humilhava. Orgulhava-se de manter o bom humor até nas horas difíceis. Não chorou na morte da mãe. No fundo, ele a odiava por obrigá-lo a cumprir todas as tarefas da vida escolar.

O caga-regras escondia um único defeito. Na verdade, dificuldade na opinião dele. Augusto não conquistava ninguém. As mulheres eram uma fronteira intransponível. Julgava a candidata ainda no aquecimento. Jamais jogara a preliminar, quanto mais a final de campeonato. Para Augusto, elas não estão prontas. Liberais demais, fruto de um tempo em que os valores se perderam. Frase de mamãe.

Mas o caga-regras estava diferente na quinta-feira. Ninguém notou, mas alguns deslizes aconteceram no trabalho. As cadernetas desalinhadas, um lápis fora do lugar; uma mente distraída na empresa, com a fantasia da noite reconstituída e memorizada antes mesmo de acontecer.

Ela era mulher ideal, respeitaria todas as suas vontades, ouviria seus mandamentos do politicamente correto. Estaria sempre a sua espera, como hoje. Não mentiria sobre si mesma. Construiria uma história a seu lado. Econômica, não estaria interessada em seu dinheiro.

Quando o relógio gritou 19 horas, trancou a sala e voou correndo para casa, claro que respeitando os limites de velocidade. Multa mancharia seu prontuário.

Estava tudo do script, mas Augusto estava apreensivo com uma dúvida que o aporrinhara o dia todo. Será que teria fôlego para enchê-la de ar? Para não falhar no primeiro encontro, ele passou numa loja e comprou uma bomba para a boneca, daquelas de pneu de bicicleta.

 

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