Tomar decisões é uma tarefa complexa, sobretudo quando afetam o coletivo e, principalmente, quem não se vê ou conhece.
Consta que Getúlio Vargas teria proferido as frases: “Aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei”, e: “A lei, ora, a lei”.
Elas sintetizam um entendimento relativo, seletivo e prepotente das leis, e uma certa tradição nativa sobre leis que “pegam” ou não.
A Otto Von Bismarck é atribuída outra frase famosa: “Se o povo soubesse como são feitas as leis e as salsichas, não dormiria tranquilo”.
No caso do Brasil, temos vivido insones, incertos até sobre o passado.
A impressão é de que há muita vaidade, prepotência e inconsequência, tanto na forma como nossa legislação é concebida, como na maneira como é aplicada, tantos são os casos de interpretações e reinterpretações.
E quanto mais leis, decretos, resoluções e portarias tentam explicar o que não ficou claro, mais possibilidades de interpretações parecem surgir, configurando o terror nosso de cada dia: a instabilidade jurídica.
O fato é que, infelizmente, favoravelmente à impunidade, a legislação atual, além de complexa, extensa e, não raro, conflituosa, gera um sentimento de descrédito e insegurança entre os simples mortais.
Às vezes, o processo é mais importante do que o crime, como se a obra de Franz Kafka fosse regra.
Não à toa, Kafka morreu antes de concluí-la, o que foi feito por outros.
Se ainda estivesse vivo, no Brasil, talvez ainda a estivesse escrevendo seu enésimo tomo.
O desenvolvimento de nosso país e a vida de pessoas têm sido muito prejudicados por essa condição.
O problema da interpretação está nas idiossincrasias e axiomas adotados, os quais tendem a afetar a forma como o poder é exercido.
É um problema, de fato, pois nem sempre as consequências são avaliadas de forma holística.
A posição dá o poder, mas não torna quem o detém insofismável ou absoluto.
A figura da “Espada de Dâmocles”, como metáfora do risco iminente associado ao poder, parece não encontrar seu lugar num contexto cujas principais referências são Sun Tzu e Maquiavel.
Afinal, são tantas as blindagens e meandros, que a espada, por mais afiada e pesada que seja, dificilmente proporcionará temor ao detentor do poder secular, atualmente.
O ideal é que o exercício do poder, em qualquer âmbito, seja feito sem vaidades, sem prepotência, de forma consequente, sábia e equânime.
A inteligência artificial não teria, em tese, esse problema, se bem que tudo depende de como foi concebido o seu algoritmo.
Como seria programar ética, valores morais e bom senso num computador quântico?
Será que a inteligência artificial eliminaria o risco de formulação de leis falhas ou ambíguas?
Identificaria leis obsoletas ou conflitantes com outras leis, racionalizando e tornando mais simples, objetivo e justo nosso arcabouço jurídico?
Aceleraria o andamento de processos judiciais?
Impediria que decisões fossem tomadas com base em vaidade, prepotência ou coação?
Pode ser que a inteligência artificial um dia alcance esse nível, aprendendo com os erros próprios e de outrem, corrigindo-se e aprimorando-se.
Isso será um triunfo da tecnologia! Mas o fracasso da inteligência humana, se precisar desse recurso para resolver questões éticas e morais.
Consta que Lord Acton (1804-1902), teria afirmado: “O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes homens são quase sempre homens maus”.
Não precisa ser assim.
Adilson Luiz Gonçalves é escritor, engenheiro e pesquisador universitário e membro da Academia Santista de Letras
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