O crescimento das facções criminosas em várias áreas do País pode transformar o Brasil em um polo crescente do crime organizado a ponto da Nação seguir o mesmo caminho de outros países vizinhos.
Ainda que o Brasil tenha um perfil diferente da Colômbia, por exemplo, onde o narcotráfico é reinante a despeito da melhora de indicadores, não se descarta a possibilidade do País seguir o mesmo caminho a médio prazo.
Isso caso ações integradas não sejam tomadas de forma a impedir o fortalecimento de facções criminosas.
O alerta é do especialista em Segurança Pública e secretário Nacional de Segurança no governo Fernando Henrique Cardoso, José Vicente da Silva.
Ele participou do Jornal Enfoque desta terça-feira (22), onde falou sobre o tema.
E alertou a falta de uma política pública nacional consistente no combate ao narcotráfico.
“E não temos nada em vista neste sentido”, lamenta.
Afinal, o crime organizado se espalha em áreas com pouca ou nenhuma atuação policial.
“O crime procura lugares mais vulneráveis e ineficientes. Ele se aproveita do mercado consumidor, da corrupção e da má gestão do governo. Ou seja, um ecossistema adequado para o crime se estabelecer”, diz.
Sem respostas
Assim, Silva enfatiza que até o momento o Governo Federal não tem dado respostas à política nacional de segurança.
“Desprezaram o trabalho desenvolvido pelo então ministro Raul Jungmann (ex-ministro da Defesa e Segurança Pública do governo Temer)”, lamenta.
Com sua experiência profissional e acadêmica ao longo de décadas, em âmbitos nacional e internacional, Silva comentou sobre o trabalho desenvolvido pela pasta no governo Lula, sob o comando do ministro Flávio Dino.
“Querem liberar R$ 2 bilhões do Fundo Nacional de Segurança Pública aos estados sem levar em consideração os tamanhos da população de cada estado”, ressalta.
Ele explica que, de forma geral, estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste mantêm uma estrutura policial de destaque, especialmente São Paulo e Santa Catarina.
São Paulo, aliás, tem a experiência de ter um dos menores índices de criminalidade em termos proporcionais, a despeito do baixo efetivo proporcional e de salários menores que as médias de outros estados, enfatizou Silva.
Investimentos no trabalho de inteligência policial e equipamentos contribuíram para a polícia paulista atingir este patamar e ajudar na derruba dos indicadores de criminalidade.
Norte e Nordeste
No entanto, a situação é dramática em estados do Norte e Nordeste, em especial a Bahia.
Aliás, líder na violência na atualidade em razão de políticas públicas errôneas no passado, como salienta Silva.
Para o especialista, cabe à União ter um papel integrado com as polícias estaduais, o que não ocorre.
“Não existe um bom relacionamento da Polícia Federal com as polícias dos estados”, enfatiza.
Enquanto isso, com fronteiras com pouco policiamento e um efetivo limitado da PF, o espaço é fértil para a circulação de drogas, armas e munições.
Elas entram praticamente livres pelo País por diversos pontos ao longo dos 17 mil quilômetros de extensão de fronteiras.
“Isso equivale a distância entre São Paulo a Tóquio. É um desafio gigantesco. Mas faltam recursos e pessoas”, enfatiza.
A Polícia Federal, por exemplo, tem 12,3 mil integrantes, um efetivo considerado pequeno diante do tamanho continental do País.
“E os estados têm as demandas urbanas da população”, salienta.
Portanto, cenário perfeito para o crescimento do poder paralelo.
“Não chegamos a ser um país controlado pelo crime organizado, mas corremos o risco de nos tornarmos diante da fragilidade em algumas localidades. O Rio de Janeiro é um exemplo. Por incompetência e falta de planejamento, ele chegou a esta situação”, lamenta.
Dessa forma, o especialista lembra que a facção Comando Vermelho tem o controle de 800 comunidades no Rio de Janeiro, enquanto a milícia marca presença em 300.
Poder paralelo
Diante deste cenário, o Brasil já conta – além das facções matrizes, como PCC – Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho – entre 50 a 70 subfacções espalhadas pelo País, diz.
“Elas criam ameaças incríveis à população”, ressalta.
Isso é resultado da falta de uma política nacional conjunta entre União, estados e municípios para conter o avanço do contrabando de drogas, armas e munições, alimentando o narcotráfico e o poder paralelo.
Inclusive com reflexos na economia e na política em várias localidades.
Afinal, envolvimentos diretos ou indiretos de políticos com o crime organizado são cada vez mais comuns.
Além disso, estabelecimentos comerciais surgem, muitas vezes, como forma de repartir os lucros obtidos de forma irregular (ou contabilizar prejuízos), onde uma teia de supostos empresários estão envolvidos impedindo descobrir quem, de fato, é o dono do negócio.
“As drogas não saem do Brasil em sacolas de velhinhas turistas”, salienta.
Ou seja, cada vez mais esquemas sofisticados são montados para garantir a circulação destes produtos em solo nacional.
Além disso, é claro, visam o mercado exterior, onde os valores ganham vários zeros após a vírgula, seja em dólar ou euro, para mercados da Europa, Ásia, África e EUA, por exemplo.

Polícia Federal tem poder limitado em razão do número insuficiente de profissionais para combater o crime organizado, inclusive no Porto de Santos. Foto: Divulgação/Ag. Brasil
Porto de Santos
Neste contexto, o Porto de Santos acaba se tornando uma ponte importante para escoamento de drogas e outros produtos ilegais, especialmente rumo à Europa e África.
Só no primeiro semestre deste ano, 4,2 toneladas foram apreendidas no cais santista.
Não é à toa que o Porto lidera a lista entre os maiores do mundo no tocante à ‘exportação’ de drogas.
Dando força ao PCC – Primeiro Comando da Capital, que encontrou na Baixada Santista um solo fértil para ser a ponte da produção vinda de países vizinhos, como Bolívia, Colômbia e Paraguai, rumo ao exterior, com valor do produto multiplicado de forma contínua.
Operação Escudo
Assim, a Operação Escudo, desencadeada pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, é uma resposta a esta realidade.
E Guarujá acabou se tornando a principal referência neste sentido, ao lado de Santos, especialmente em razão das suas características geográficas por causa dos morros – semelhante ao que ocorre no Rio de Janeiro, por exemplo.
“A equipe de inteligência da polícia paulista havia identificado este fato e estava monitorando a situação. Até que começaram os ataques aos policiais, inclusive com morte”, salienta.
Até então, conforme Silva, nenhum tiro havia sido disparado.
Aliás, tanto a polícia paulista e de Nova York são consideradas as mais tecnológicas do mundo em termos de uso da inteligência para investigação.
Como resposta, 20 homens, a maioria com envolvimento com o crime organizado, morreram até o momento.
No entanto, há relatos de violência policial por parte de integrantes dos Direitos Humanos e da comunidade.
“A polícia foi atacada e a PM reagiu. O Ministério Público vai investigar para saber se houve excesso ou não por parte da PM”, salienta.

Operação Escudo combate o crime organizado em Santos e Guarujá. Até o momento, 20 homens morreram em confronto com policiais, alguns feridos gravemente e mortos. Foto: Divulgação
Baixada Santista e os números
Silva salienta que por meio dos números é possível avaliar o atual cenário de segurança pública na Baixada Santista.
Além disso, traz elementos importantes.
“A despeito da Operação Escudo (da Secretaria de Segurança Pública), os indicadores da região não são ruins. Há uma estigmatização em relação à Baixada”, ressalta.
Por exemplo, os indicadores de roubos em Santos e Guarujá representam 1/3 da capital paulista, em termos proporcionais.
Assim, a taxa de homicídio de Santos, por exemplo, foi de 3,22 para cada 100 mil habitantes no ano passado – contra 18,56 em 2002.
Por sua vez, em Guarujá, 3,24 no ano passado contra 31,58 há duas décadas.
Além disso, no primeiro semestre deste ano, 4 homicídios ocorreram em Santos e 10 em Guarujá.
No entanto, com o registro de 20 mortes até o momento em ambas as cidades na Operação Escudo, os indicadores aumentarão no próximo balanço.
No entanto, Silva reconhece que a região é fértil para a expansão do poder das facções.
“Não se pode deixá-las se apoderarem do território”, enfatiza.
Assim, o aumento de efetivo anunciado pelo governador Tarcísio de Freitas com a instalação de uma mais um batalhão da Polícia Militar é fundamental.
“A presença tem que ser constante para não deixar as coisas crescerem”, diz.
Litoral sul em crescimento
Deve-se salientar que o litoral sul paulista registrou aumento expressivo populacional, segundo o último censo.
Mongaguá cresceu de 46.293 moradores para 61.951 (alta de 33,8%), Itanhaém, de 87.057 para 112.476 (+ 29,2%) e Peruíbe, de 59.773 para 68.344 (+ 14,3%).
Sem contar Praia Grande: de 262.051 em 2010 para 349.935 hoje, alta de 33,5%.
Juntas, as quatro cidades tem quase 600 mil habitantes (592.706), alta de 30,2% em relação ao censo anterior (455.174).
Sem que houvesse um aumento proporcional do efetivo policial.
Números que chamam atenção
Silva salienta que alguns números recentes chamam a atenção e merecem uma lupa por parte das autoridades policiais para verificar o que está ocorrendo.
Em Guarujá, houve aumento da taxa de roubos e furtos em 13,3% entre 2021 e 2022 (5.748 e 6.517, respectivamente).
E somente no primeiro semestre deste ano, já foram 3.442 casos de furtos e roubos diversos no município.
Além disso, Silva enfatiza também o aumento no número de furtos e roubos de veículos em Itanhaém, no litoral sul paulista.
Em 2021, foram 244 casos; 318 no ano passado (alta de 30%) e 176 só no primeiro semestre (55% do total em relação ao ano passado).
Aliás, situação semelhante a São Vicente.
Afinal, somam-se 677 casos em 2021, 1016 em 2022 (alta de 50%) e 397 apenas no primeiro semestre deste ano.
“Há necessidade de planejamento e trabalho integrado de todas as forças policiais para diminuir estes números. O momento é oportuno para isso”, destaca.
Assim, ao contrário de alguns críticos, Silva é favorável ao uso de câmeras pelas forças policiais.
“Todas as grandes polícias do mundo já as usam. Isso garante maior transparência para o policial mostrar seu trabalho”, salienta.
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